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 É com imenso pesar que a CeasaMinas comunica o falecimento do ex-ministro da Agricultura, Alysson Paolinelli, neste dia 29/06. Alysson foi um dos idealizadores da CeasaMinas, empresa criada enquanto ele ocupou o cargo de Secretário de Agricultura de Minas Gerais.
Segundo contava o próprio Alysson, a criação da CeasaMinas, em fevereiro de 1974, foi exemplo para a inauguração de outras 53 Ceasas construídas entre 1974 e 1979 em todo Brasil, período em que foi Ministro da Agricultura.
A CeasaMinas envia os mais sinceros votos de pesar à família de Alysson Paolinelli.
Em demonstração de gratidão a toda sua história, a CeasaMinas republica, a seguir, uma entrevista que realizou com Alysson no ano de 2012. Na época, ele descreveu seu dia a dia com a seguinte frase: “Minha atividade é 24 horas por dia, 12 meses por ano. Todas voltadas para a agricultura.”
O senhor foi ministro da agricultura no governo de Ernesto Geisel. Que ações marcaram a sua gestão?
Na época, nós vivíamos um verdadeiro dilema no Brasil. O país não conseguia produzir alimento para a sua população. A importação de alimentos chegou a 1/3 do consumo brasileiro. Tínhamos que resolver esse problema a curto prazo. Foi preciso fazer um esforço concentrado. A decisão que foi tomada – ela já vinha sendo estudada – foi estimular a produção. A expansão de área já tinha ocupado quase todas as terras agricultáveis do Brasil e, mesmo assim, elas eram insuficientes para abastecer. Nossa produtividade era baixa, nós não tínhamos alta tecnologia. A tecnologia que existia no mundo era desenvolvida na região temperada, nas regiões frias. Era preciso, então, montar urgentemente um sistema para corrigir isso.
Essa foi a motivação para criar a Embrapa?
A Embrapa já estava no papel. Nós tratamos de botá-la para funcionar imediatamente. Criamos também um sistema de assistência técnica e extensão rural, constituído pela Embrater e mais 23 Ematers estaduais, bem articuladas. Criamos o Sinac, na área de hortifrutigranjeiros. Nós construímos mais de 17 centrais de abastecimento. Nós conseguimos montar um sistema de comunicação. Para mim, era fundamental poder melhorar as condições na formação do preço. O preço do alimento no Brasil era muito especulativo naquela época. O que nós conseguimos fazer com velocidade, na realidade, foi criar uma tecnologia própria para o Brasil, nas condições dos biomas brasileiros. Deu muito certo no Cerrado e em outras áreas. Mas eu creio que o Cerrado foi o que mais progrediu.
Como conseguiram começar a produzir no Cerrado?
Um projeto, por exemplo, foi o Polo Centro, que aplicou US$ 3 bilhões para expansão da agricultura no Cerrado. A gente pretendia incorporar no processo produtivo brasileiro 3 milhões de hectares. Acabamos conseguindo incorporar 5 bilhões de hectares. Quando eu cheguei ao ministério, por exemplo, a produção de soja no Brasil era de 200 mil toneladas. Hoje, qualquer município do Mato Grosso produz 4 ou 5 vezes isso. A razão era muito simples. A soja que nós tínhamos aqui era aquela soja que nasceu lá na China, passou pelos Estados Unidos, países todos eles temperados. Chegando aqui, essa soja tinha uma característica. Ela só era capaz de produzir muito se recebesse de 14 a 16 horas de sol por dia. Apenas na pontinha do Rio Grande do Sul temos isso. Hoje, o Brasil melhorou geneticamente essa soja e tem produtividade igual ou maior do que os países da região temperada. Nós fizemos a mesma coisa com milho, feijão, arroz. Nós importávamos tudo isso. O Brasil hoje é o maior exportador em quase tudo isso.
Como os resultados desses trabalhos podem ser sentidos hoje?
O resultado foi bastante bom, porque, no final da década de 1980, nós praticamente já não importávamos mais alimentos. E o que foi melhor, continuamos a criar novas tecnologias altamente competitivas para o bioma tropical. Criamos inclusive o programa pró-álcool e passamos também a aprender a produzir, além de alimentos, bioenergia, que o mundo precisa. Esse esforço foi muito bom, porque o Brasil mudou de posição. Ele não só se autoabasteceu, como começou a ter competência para exportar e disputar mercado lá fora, em todos os segmentos. Hoje, felizmente, o resultado está aí. Somos um dos maiores exportadores do mundo. Eu acho que isso foi importante e não tenho dúvida de que foi aquele esforço inicial para dar ao país um conhecimento na área de ciência e tecnologia que levou o Brasil a ser um grande produtor.
O seu pai foi engenheiro agrônomo e prefeito de Bambuí (MG). Em que medida isso influenciou o senhor a estudar Engenharia Agrônoma e seguir carreira política?
Eu creio que influenciou muito. Meu pai teve uma preocupação muito grande. Quando eu falei que iria estudar agronomia, ele não só se emocionou, como falou: “Será que eu estou te influenciando?” Mas ele usou um artifício muito inteligente. Ele tinha uma propriedade que estava sendo alugada para o seu irmão. Ele pediu a propriedade de volta e me botou lá, para saber mesmo se eu tinha vocação. E, felizmente, para mim foi muito bom, pois comecei a ter não só experiência, mas também confirmei a minha vocação. Eu fiz a mesma coisa com os meus filhos. Eu tenho dois agrônomos. Na terra, eu tive uma noção da vida rural, e isso me permitiu ser mais capaz de ter uma visão de futuro maior.
Como foi o percurso até o senhor ser convidado para ser ministro?
Eu fui estudar agronomia em Lavras. Depois, tive o desafio de ficar na escola, pois ela estava em crise. Tive muita sorte, porque consegui, com participação de professores, alunos e funcionários, criar um sistema de defesa da escola, para evitar o fechamento. Em 1963, ela foi federalizada e eu acabei sendo diretor. Na direção, fizemos um plano de expansão para torná-la a universidade que é hoje, uma das melhores do país. E aquilo me deu uma possibilidade de manter contato com as autoridades. O doutor Rondon Pacheco foi eleito governador de Minas Gerais e pediu para eu ajudá-lo. Como ele já tinha me ajudado muito, eu não tinha como negar. Na Secretaria de Agricultura, o governador me deu todo o apoio. Inclusive, construímos a CeasaMinas. Com a dificuldade da época, começamos a montar um sistema único de informação entre as centrais de abastecimento mineiras, que foi a chave do sucesso da organização do sistema produtivo e do abastecimento, especialmente em produtos perecíveis. Nós é que começamos, em Minas Gerais, a conquistar o Cerrado, em um programa junto com o BDMG. Eu não conhecia o presidente Ernesto Geisel, mas ele resolveu me chamar, porque passou a conhecer o que se estava fazendo em Minas e essa era a ideia que ele queria para o Brasil.
O senhor já participou de missões oficiais na Europa, América do Norte e Ásia. O que trouxe dessas viagens que pôde ser aplicado na realidade brasileira?
Para mim foi muito bom ter participado desses congressos e conferências. Agora mesmo estou indo para a África estudar alguns projetos. Você mantém contato com professores de alto gabarito, com profissionais, com governos, com ministros, com instituições governamentais e não governamentais. Isso tudo abre a visão da pessoa e eu me sinto privilegiado por ter tido essa oportunidade. Vi muitas coisas lá fora que me impressionaram. Nós copiamos o sistema de abastecimento da França. Copiamos muita coisa deles. Os Estados Unidos também nos ajudaram muito. Eu tinha bons amigos. Norman Borlaug, por exemplo, me ajudou na formação da Embrapa. Ele ganhou o Nobel da Paz e fez a primeira revolução verde do mundo. Ele morreu há 3 anos e dizia que a segunda revolução verde aconteceu no Brasil.
O que foi a revolução verde?
Justamente essa capacidade que nós adquirimos de transformar as áreas mais degradadas. O agricultor entra, modifica o solo, começa a cultivar e melhora a terra. O nosso Cerrado se transformou na área mais produtiva e competitiva do mundo. Norman Borlaug tinha um entusiasmo muito grande sobre isso e as universidades americanas nos ajudaram muito. Enviamos nosso pessoal para treinamento nos Estados Unidos e também no Japão. O Japão fez comigo um contrato grande no programa do Cerrado. Eles contribuíram com US$ 540 milhões. Além de dinheiro, eles nos ajudaram a desenvolver tecnologia. Nós mandamos 1.530 técnicos para serem treinados no mundo inteiro.
O senhor participou do último encontro da Flama e da Abracen, em Recife. Qual foi o tema central da sua palestra?
Eu mostrei a importância de um sistema nacional de Ceasas na evolução do abastecimento brasileiro e, inclusive, chamei muita atenção para a necessidade da reorganização com a criação de um sistema único. Não precisa ser o Sinac, pode ser com outro nome. Eu acho uma pena o Brasil ter abandonado o Sinac. Era preciso completá-lo, não só ampliando o sistema integrado de informação, como também completando com o programa de qualidade capaz de padronizar e classificar os produtos, de modo que você não precise vender o produto, mas a marca. Isso já está funcionando na França. Espero que o grupo de trabalho recém-criado pelo ministério consiga retomar isso, pois a situação é bem difícil. Porque as Ceasas não são todas mais do governo federal. Eu acho que isso tem que ser urgentemente recomposto.
Por que é tão urgente?
Porque eu tenho a impressão de que o sistema já está sofrendo com a falta de informações. Nós fizemos um sistema de Ceasas para que houvesse um único centro formador de preço. À medida que você tem vários centros formadores de preço, os comerciantes mais espertos lucram muito mais na comercialização. Isso deve ser evitado. Ele tem que ganhar mais pela eficiência de sua capacidade logística, não em cima do consumidor. Ele tem que ser o melhor, disputando o preço final em função da sua redução de custo, da sua capacidade de classificar e padronizar seu produto, de levar o produto à mesa do consumidor ou então aos centros distribuidores com mais rapidez e eficiência. É aí que está o segredo. Eu defendo o retorno. Você não precisa construir vários galpões, nada disso, desde que você tenha um local mais central possível, perto da região dos produtores, onde você consiga mandar o preço de outras regiões para lá. Assim, de lá, você leva o produto já vendido diretamente para o comprador. Isso economiza quanto? É uma economia fabulosa. É aonde a gente precisa chegar no Brasil.
O senhor já recebeu o World Food Prize, prêmio mundial em reconhecimento a sua contribuição para o aumento da oferta mundial de alimentos. Como aumentar essa oferta nos tempos atuais?
Essa fundação tem sede nos EUA, mas os seus conselheiros são do mundo todo. Eles fazem anualmente uma homagem àqueles que ajudaram a reduzir a fome no mundo. Em 2006, foi a vez do Brasil. Como reduzir a fome? Fazendo o que o Brasil está fazendo. Melhorar as políticas públicas, acabar com esse erro que está se cometendo de países ricos ficarem subsidiando alimentos. Isso atrapalha muito. Temos que desenvolver pesquisa. Ciência e tecnologia para mim é o mais necessário para chegar ao conhecimento de biomas. Não adianta fazer pesquisa nos Estados Unidos, você tem que resolver aqui. Acho que aí está a chave da coisa. Notícia de 29/06/2023.
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